11.08.2011

Manifestações na USP, ou "Porque sim, somos imaturos"

“Nas democracias, o não-conformismo é possível e, de fato, não está de modo algum inteiramente ausente; nos sistemas totalitários, só uns poucos e insólitos heróis e mártires podem ser considerados capazes de recusar obediência. Apesar, entretanto, de tal diferença, as sociedades democráticas mostram esmagador grau de conformismo. A razão está no fato de que é preciso haver uma resposta ao anseio de união e, se não houver outro meio melhor, então a união da conformidade no rebanho se torna a predominante. Só se pode compreender a força do medo de ser diferente, do medo de estar que poucos passos fora do rebanho, quando se compreendem as profundidades da necessidade de não ser separado. Ás vezes, esse medo do não-conformismo é racionalizado como temor a perigos reais que podem ameaçar a não-conformista. Mas, na realidade, as pessoas querem conformar-se em grau muito mais alto do que são forçadas a conformar-se, pelo menos nas democracias ocidentais.

Na maioria, o povo nem sequer tem consciência de sua necessidade de conformar-se. Vive sob a ilusão de seguir suas próprias idéias e inclinações, de ser individualista, de ter chegado a suas opiniões como resultado de seus próprios pensamentos — apenas acontecendo que suas idéias são as mesmas da maioria. O consenso de todos serve como prova da correção de “suas” idéias. Havendo ainda necessidade de sentir certa individualidade, essa necessidade é satisfeita com relação a diferenças menores; o mono-grama na pasta ou no suéter, a placa com o nome do caixa do banco, o fato de pertencer ao Partido Democrático contra o Republicano, ou a esta associação em vez de àquela, tornam-se expressão de diferenças individuais. O “slogan” de anúncios de que uma coisa “é diferente” demonstra essa necessidade patética de diferença, quando na realidade quase nenhuma resta. (...)


Se a vida, em seus aspectos meramente biológicos, é um milagre e um segredo, o homem, em seus aspectos humanos, é um segredo insondável para si mesmo — e para seus semelhantes. Nós nos conhecemos, e contudo, mesmo apesar de todos os esforços que possamos fazer, não nos conhecemos. Conhecemos nosso semelhante, e contudo não o conhecemos, porque não somos uma coisa, nem o nosso semelhante é uma coisa. Quanto mais penetramos nas profundezas de nosso ser, ou do ser de outrem, tanto mais nos escapa o alvo do conhecimento. Não podemos, todavia, evitar o desejo de penetrar no segredo da alma do homem, no mais interno núcleo do que “ele” é.

Há um meio, um desesperado meio, de conhecer o segredo: é o do completo poder sobre a outra pessoa; poder que a obrigue a fazer o que quisermos, sentir o que quisermos, pensar o que quisermos; que a transforme numa coisa, nossa coisa, possessão nossa. O grau derradeiro dessa tentativa de conhecer reside nos extremos do sadismo, desejo e capacidade de fazer um ser humano sofrer: torturá-lo, forçá-lo a trair seu segredo em seu sofrimento. Nesta avidez de penetrar no segredo do homem, no seu e, portanto, no nosso próprio, está uma motivação essencial da profundidade e da intensidade da crueldade e da destruição.

De modo muito sucinto, essa idéia foi expressa por Isaac Babel. Cita ele um sujeito, oficial na guerra civil russa, que acabava de espezinhar seu antigo patrão até à morte, como dizendo: “Com um tiro — vou dizer a coisa deste jeito — com um tiro a gente apenas fica livre de um camarada... Com um tiro, nunca se alcança a alma, onde ela está num sujeito, nem como se mostra. Mas eu não me canso e mais de uma vez já pisoteei um inimigo por mais de uma hora. Vocês sabem, eu quero chegar a saber o que a vida realmente é, como é a vida aqui no nosso mundo”. (I. Babel, The Collected Stories, Criterion Book, Nova York, 1955.)

Quando crianças, muitas vezes vemos com toda a clareza esse caminho para o conhecimento. A criança apanha alguma coisa e quebra-a a fim de conhecê-la; ou apanha um animal; cruelmente arranca as asas de uma borboleta a fim de conhecê-la, de forçar seu segredo. A crueldade, em si, é motivada por algo mais profundo: o desejo de conhecer o segredo das coisas e da vida. (...) O sadismo é motivado pelo desejo de conhecer o segredo, e contudo permaneço tão ignorante quanto antes era. Despedacei o outro ser membro a membro, e entretanto tudo o que fiz foi destruí-lo.”


Trechos de A Arte de Amar, de Erich Fromm

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